Justiça Restaurativa e Justiça Retributiva complementam
Muita gente ainda não entendeu, apesar dos anos de existência, que a Justiça Restaurativa "nasceu" para dar um olhar especial a vítima, desta feita NÃO como uma simples testemunha colaborativa de um processo retributivo, mas como parte essencial (interessada, envolvida e muitas vezes, bem machucada) - 'o olhar', na Restaurativa, vai além de enxergar a vítima como uma simples testemunha!
A Justiça Restaurativa procura juntar 'vítimas e criminosos' em círculos restaurativos para entender o que aconteceu e o porquê aconteceu e indagar: da forma como aconteceu, poderia ter sido evitado?
A pergunta, do final dessa frase serve tanto para crime de menor potencial ofensivo (da Lei 9099/95), como para os do Código Penal!
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Justiça Restaurativa |
Na medida do possível, os profissionais restaurativos (neutros e imparciais), tentam fazer com que todos os envolvidos se coloquem, UNS, no lugar dos outros!
Para isso, haverá um ou mais Mediadores: de preferência um da área Psicológica e outro da área legal (Direito) ou Pedagógica.
Tudo vai depender do tipo de crime e dos indivíduos envolvidos.
Os Advogados das partes (se houver) também podem participar como ouvintes e interlocutores de seus clientes - mas, lembrem-se, havendo defensor de um lado, há que haver do outro ou não realizará o círculo; um dos lados pode ser a Defensoria ou Ministério Público.
Como funciona isso, poderia exemplificar?
Pois claro, ao menos tentarei; farei por meio de uma história verídica, entretanto reduzida para deslanchar a leitura.
- Um garoto de 15 anos sofre Bullying, praticado por uma garota de sua escola, durante alguns anos. A menina o chama, constantemente, de "baleia de óculos" e nada é feito à respeito, mesmo seus professores, colegas de classe e Diretor da escola ter tomado conhecimento do fato deixa estar (nada fazem), e assim ela segue com a mesma humilhação, dia após dia!
- Esse garoto fortão, um dia empura essa menina, autora do bullying, e ela cai sobre o braço, quebrando-o - assim, vai parar em um hospital de urgência para que seja atendida.
- No final das contas, o garoto é detido e encaminhado ao Conselho Tutelar e após à Polícia pelo ato infracional cometido, qual seja: lesão corporal culposa.
- No entanto, após conversa do garoto com um membro do Ministério Público (MP) percebe-se que algo há que ser feito, e nao é deter o adolescente pelo ato cometido.
- Decidem, a Justiça da Infância e Juventude, o MP, a escola, os pais, a vítima e o autor da lesão, que deverá ser realizado um Circulo Restaurativo - o Juiz e o MP explica como será e assim é feito.
- No final descobrem que o garoto também é uma vítima, quiçá maior que a menina que teve o braço quebrado, acidentalmente. A escola se responsabilizou por não ter feito nada enquanto havia o bullying, a família dela garantiu que educaria sua filha de forma mais sensata e a castigaria, de alguma forma; a familia do garoto garantiu o pagamento das despesas hospitalares e a comunidade se comprometeu conseguir um emprego para o pai do menino, haja vista ele estar desempregado e nos últimos tempos passava bebendo e batia no menino, e só por estar mais desgastado emocionalmente (que o normal) não tolerou mais o bullying e empurrou a menina.
Esse é apenas um exemplo, quiçá possa relacionar outro mais adiante.
O fato é que, se este garoto tivesse simplesmente "parado" em uma cárcere para adolescentes infratores, ele nunca entenderia o porquê de apenas ELE ter sido punido, quando foi uma vítima durante anos e ninguém nada fez - sairia de lá revoltado, acreditando que a justiça não funciona, além de correr o risco de "aprender a praticar verdadeiros delitos" (coisas realmente graves e dolosas).
Enquanto a Justiça Retributiva só olha para o passado próximo (o crime em si e a retribuição do Estado Juiz pela prática), a Justiça Restaurativa trabalha com o passado, presente e principalmente com o Futuro (a segunda e terceira fase da prevenção prescrita pela Criminologia).
Uma equipe multidisciplinar, que pode compor o círculo ou não, irá analisar o passado, presente e futuro de ambos os envolvidos no crime, mas deixará que eles mesmos decidam o melhor a fazer; não havendo nenhum consenso o processo volta para a Justiça ou vai para a Justiça (este último caso acontece quando ainda não há processo formal).
Exemplificando, novamente
- Pense em dois garotos que entram, um deles armado com revólver de briquedo (boa imitação), para roubar em uma loja de roupas do mesmo bairro onde vivem.
- Após a ameaça dos meninos, e a colheita do produto do roubo, os garotos se viram para fugir e o proprietário, imediatamente, pega uma arma que guardava debaixo do balcão e atira em ambos (um fica gravemente ferido e o outro falece).
- Os meninos eram irmãos, moravam na comunidade e não tinham pai - este, havia falecido em um roubo quando trabalhava de taxista.
- O pai, quando faleceu não deixou nada, a não ser a casinha da comunidade, bastante humilde, onde viviam (o taxi era alugado). Como estava recém empregado fixo, não conseguiu que a esposa recebesse pensão, tampouco indenização do Estado ou da empresa onde trabalhava - muito menos do assaltante, "latrocida" que deixou uma mãe com quatro pequenos filhos para criar!
- Essa mãe lutou muito, trabalhou muito, fez tudo que pôde para criar os filhos e dar boa educação (aos quatro), mas infelizmente, dois deles, os meninos, saíram do "caminho do bem" - 'elementos' da comunidade aliciaram ambos para o mundo das drogas. A mãe, sozinha, sobrecarregada com dois empregos para pagar curso técnico para as meninas e colocar comida na mesa, não conseguiu deter o comportamento rebelde dos filhos e foi assim que um acabou morto e outro com feridas graves (sequelado para a vida).
Enfim, este segundo exemplo foi para mostrar como o mundo gira!
Hoje você pode até estar bem, ter uma família razoavelmente estruturada, mas daí algúem chega e põe fim a isso, levando um dos responsáveis pela criação dos filhos a se redobrar para educar e colocar comida na mesa - e, claro, dependendo do meio onde se viver, não há muito como vigiar.
A mãe desses garotos trabalhava em dois empregos para sustentá-los bem e dar alguma educação; no entanto, não era muito presente na vida deles justamente por isso; daí chega o tráfico, a milícia e alicia os menores com promessa de ganhos fáceis.
Quem tirou a vida de um dos adolescentes e a dignidade do outro, que ficou tetraplégico (segunda história), foi a vítima de roubo - todavia, esta vítima já conhecia os meninos daquela comunidade, ao invés de dar queixa e indicá-los para a polícia ele preferiu atirar nos jovens pelas costas, isso depois de não haver mais nenhum risco para sua integridade física.
Acabou com a própria vida, já que terá que pagar pelo crime que não era mais em defesa própria (o perigo havia passado), e ainda acabou de destruir àquela família que já tinha histórico de tragédia no passado e sobrevivia, sofrida e fragmentada.
Este caso, em questão, poderia muito bem ter sido resolvido com um círculo restaurativo.
Veja como:
Certa feita um comerciante resolveu um caso assim, facilmente. Levou o adolescente que lhe roubou a aceitar participar de um círculo restaurativo (primeiramente, via convite do Ministério Público e aceitação dos pais).
Todos juntos, com a participação de um Mediador e do próprio MP, o menino se comprometeu a aceitar um emprego oferecido por um dos participantes da comunidade. Com o salário que receberia, pagaria o valor roubado, mesmo que fosse em parcelas, já que não tinha mais o montante que roubou para devolver.
A vítima (comerciante) aceitou o trato e as desculpas da família do menino, e a do próprio menino - garantindo que nunca mais faria o que fez, e foi assim que passou!
Alguns meses depois o adolescente já havia pagado todas as parcelas referente ao valor subtraído e ambos começaram, inclusive, uma espécie de 'amizade' - se cumprimentavam, amigavel e respeitosamente, quando se cruzavam pelas ruas.
Diferente do caso anterior, vidas foram restauradas, outros crimes foram evitados e o adolescente, inclusive, começou a trabalhar porque a comunidade entendeu que a falta de estrutura familiar e a extrema pobreza, somada as amizades do menino é que fizeram com que ele roubasse para ostentar (souberam de tudo isso via círculo restaurativo).
No caso anterior, dos dois irmãos, a vida era bem pior; haviam perdido o pai quando criança e foram criados, apenas, por uma mãe quase ausente - que passava muitas horas em dois empregos e não podia educar e vigiar melhor os filhos (mas queria muito).
Certeza que, em um roubo como o realizado por eles, com ameaça, mas nenhuma violência física (sendo primários no crime), uma Restauração funcionaria bem, infelizmente a vítima do roubo não tolerou e passou a ser o réu de um homicídio e tentativa de outro; pagará por eles com quase nenhuma causa de diminuição de pena (atirou pelas costas, a arma do crime de roubo era de brinquedo e a ameaça já havia cessado).
Vítima que passa a réu e "acaba com a própria vida na sociedade" - da mesma forma são os que fazem "justiça com as próprias mãos": lincham por boatos ou mesmo por um simples furto de celular e ainda se crêem gente de bem!
Por isso, a conclusão que tenho é: o melhor a fazer é tentar entender o porquê e quando possível perdoar - vai doer menos e o bom disso é não se tornar igual ou pior que o criminoso que lhe feriu - remoer ódio, desejar vingança, sem saber nada do passado dos outros é como "tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra" (alguém já disse isso, muito antes de mim)!
Por Elane Ferreira de Souza, Advogada atuante só em consultoria ou casos de família, Autora deste e dos Blogs Divulgado Direitos,
mais o canal do YOUTUBE de nome Diário de Conteúdo jurídico.
(ao copiar o texto ou redistribuir cite a fonte e link - grata).
Fontes: muita leitura e horas e mais horas de vídeos assistidos sobre o assunto - vários autores (escrito, apenas este: MP.PR por Tânia Almeida)
Imagem/créditos: Pixabay grátis editada por Elane Souza
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O vídeo a seguir é só um pequeno complemento do que foi dito acima.
Grato a todos os que passaram por aqui!
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